quarta-feira, 14 de julho de 2010

Saudade, poeira e solidão


"Para o meu coração brega, amoroso e sentido, ontem continua sendo sempre hoje. Como o para-choque de um caminhão que vai e volta na rodovia da Saudade com a mesma frase triste." O trecho de Raio-X de um amor sem fim, do cearense Xico Sá, encontra par perfeito no filme Viajo porque preciso, Volto porque te amo, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, a começar pela frase triste que dá nome ao filme e fica gravada na mente de José Renato (Irandhir Santos), que a repete constantemente com uma melancolia de doer alma e ossos, apertando o coração do espectador, que encontra espelho no geólogo que viaja a trabalho pelas estradas do interior do Nordeste brasileiro.

O documentário de ficção, com um personagem central que nunca aparece pode incomodar no começo, mas logo somos conquistados pela voz de Irandhir Santos, que narra os 75 minutos de história com força e sensibilidade belíssimas, fazendo com que o espectador fuja de seu lugar comum, esquecendo a necessidade de sempre ter que ver o personagem principal da história apresentada. Embalados por músicas bregas como a muito conhecida 'Morango do Nordeste' e a belíssima 'Último desejo', de Noel Rosa (que por sinal é declamada por Irandhir em uma das cenas mais bonitas e tristes do filme), somos guiados por José Renato em uma viagem que inicia camuflada com intenções de trabalho, e logo revela sua verdadeira motivação: esquecer o abandono da mulher amada. "Viajo porque preciso, não volto, porque ainda te amo", revela José com a voz embargada, lembrando de Joana, sua galega.

Com um histórico de personagens belos e profundos na sua simplicidade cotidiana, Karin Aïnouz (Madame Satã, O céu de Suely) apresenta, com a ajuda de Marcelo Gomes (Cinema, aspirinas e urubus), pessoas que passariam facilmente despercebidas a nossos olhos, mas que nos marcam a partir do momento em que as "conhecemos". Assim é Paty, prostituta que sonha com a felicidade de ter um companheiro, e poder ficar em casa cuidando da fillha. "Eu quero uma vida lazer", diz Paty, não percebendo que revela, para José e para o espectador, um sonho e uma frase que os acompanharão.

Na aridez das estradas mostradas pelos olhos do geólogo, a poeira que cerca a solidão da viagem e parece por vezes atravessar a tela não é leve como na música de Tom Zé. É poeira áspera, pesada, que fica na garganta entalando e dando sede de amor e de vida. "Todo mundo tá procurando um milagre, inclusive eu", afirma José em certo ponto do filme. É com o sentimento dessa frase, ainda embalados pelos bregas de caminhoneiro, que deixamos a sala de cinema, todos a procura de uma "vida lazer", e com a sensação de que acabamos de compartilhar uma lição importante.

Ficha Técnica:
Gênero - Doc-Ficção
Tempo de duração - 75 min
Direção/Roteiro - Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Elenco - Irandhir Santos
Produção - Rec Produtores e Daniela Capelato

Um comentário:

  1. 'viajo porque preciso, não volto porque ainda te amo...'

    vida lazer pra mim, agora, seria isso.

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